E...como surgiu a idéia do projeto?
Sabe quando, de uma estante cheia de livros, você por acaso escolhe um e quando começa a ler e, surpresa!, o autor está escrevendo pra você, dialogando contigo? Com um amigo com quem você bate papo em uma mesa de bar, ele afirma, você retruca, ele retrocede, e a conversa avança. Duas sensações podem surgir daí. A primeira, é uma exaltação e a sensação de que você acabou de conhecer o seu alter ego escritor. A outra, é uma certa frustação de haver sido parodiado intelectualmente, afinal, você quem tinha tido aqueles pensamentos, aquelas ideias e aquelas conclusões!
Mais ou menos isso aconteceu ao ler, pela primeira vez, Roland Barthes e seu ensaio sobre a fotografia. Suas palavras sobre os conflitos entre o ser criativo e o ser científico, entre arte-fruição e a análise-razão, são uma das melhores descrições para as nossas próprias sensações ao optar por estudar o carimbó. Houve, primeiro, um sentimento de paixão pelo carimbó.Não o objetivo de estudá-lo. E se a razão amortece a emoção e mata o tesão?
Queríamos vivenciá-lo em seu sentido lúdico, não racionalizá-lo! Dançar e cantar, não analisar! Sensação de ambiguidade imediatamente identificada como análoga às palavras do autor sobre a fotografía:
“Que me importavam as regras de composição da paisagem fotográfica ou, em outro extremo, a fotografia como rito familiar? Cada vez que eu lia algo sobre a fotografia pensava em tal ou qual foto preferida e isto me encolerizava. Pois eu não via mais que o referente, o objeto desejado, o corpo querido. Mas uma voz inoportuna (a voz da ciência) me dizia então em tom severo: <<Volta á Fotografia! O que você vê aí está compreendido na categoria de “Fotografias de aficcionados”, sobre qual tratou uma equipe de sociólogos. Não é mais que a marca de um protocolo social de integração destinado a revelar a Família, etc.>> No entanto, eu persistia. Outra voz, a mais forte , me impulsava a negar o comentário sociológico; frente a certas fotos eu desejava ser selvagem, inculto.[1]”
Mas, se por um lado o que desejávamos com o carimbó era deixar o corpo livre pra transformar em movimento aquilo que é percussão e repetir o refrão sentindo a proteção da Princesa de Algodoal, também pudemos perceber o Carimbó como parte de uma discussão muito mais ampla. Dançar o carimbó tem a ver com a possibilidade de usufruir do carimbó. Não somos ribeirinhos de Marapanin, netos de carimbozeiros, não nascemos na ilha de Maiandeua. Vivenciar o carimbó ou não tem a ver, portanto, com as possibilidades de sua existência, com seu processo de valorização e difusão.
Daí a necessidade de refletir sobre esta manifestação e sobre a cultura tradicional brasileira de modo geral.Refletir sobre a cultura de massas e os valores presentes na cultura hegemônica. Impossível não cair no “sociologuês”, no “antropologuês”, no “cientistapolitiquês” que, realmente, desconstróem muito da beleza do espontâneo. Mas estes "uês" todos são ferramentas necessárias, inclusive para que a paixão como espectador/"dançador" possa ser vivenciada.
[1] Barthes, Roland. La cámara lúcida. Barcelona, Gustavo Gili, 1982, pg. 167 p.36.
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