quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Os saberes ancestrais indígenas e o Estado Plurinacional do Equador




Nós, o povo soberano do Equador
Reconhecendo nossas raízes milenares,
forjadas por mulheres e homens de distintos povos;
Celebrando a natureza, a PachaMama,
 do qual somos parte e que é vital para a nossa existência (…)
Constituição da República Plurinacional do Equador, 2008.



Em 2008, o governo de um país “hermano”, latino-americano, praticamente desconhecido para a  maioria dos brasileiros, o Equador,  aprovou uma nova Constituição Nacional  - ou melhor, Plurinacional – com o objetivo de reconhecer e garantir direitos condizentes com a diversidade étnico-cultural existente.
Em suas páginas,  ousados artigos desafiam categorías centenárias consideradas inquestionáveis até pouco tempo. É o caso da forma política soberana do Estado-Nação, em sua versão homogeneizadora de “um povo, uma língua e um território . Em contraposição, a nova carta magna apresenta artigos desafiadores que apresentam  o Equador como um Estado Plurinacional.


Por plurinacionalidade, entende-se à presença de diversas nacionalidades e povos (indígenas, afro-descendentes, montúbios, ciganos) que coexistem no interior de um mesmo território, sob a direção de um mesmo governo. Significa renovar instituições, reformular velhas legislações e aplicar políticas públicas inovadoras, que obedeçam a diversidade oficializada. Por exemplo, implantar medidas de estímulo ao bilinguismo através da criação de escolas que ensinem tanto em espanhol quanto no idioma indígena quéchua. Ou criar novas instâncias jurídicas que garantam a legalidade do direito consuetudinário (tradicional) indígena. 

O Sumák Kawsay ou Buen Vivir
 
Além da plurinacionalidade, a nova constituição oficializa o debate -permeado por conflitos - entre os movimentos sociais indígenas e o governo de Rafael Correa, sobre a necessidade de um novo projeto de desenvolvimento nacional. A nova proposta, definida como Sumák Kawsay (em quéchua) ou Buen Vivir (em espanhol), é um movimento - ainda incerto - rumo a uma existência social diferente da atual,  fundamentada em desigualdades sociais e na exploração ilimitada da natureza.
 

O conceito-projeto de Sumák Kawsay/ Buen Vivir inaugura a possibilidade da incorporação de  elementos milenares das práticas e cosmovisões  indígenas (marginalizados e invisibilizados desde os primórdios da colonização) como parte do projeto de desenvolvimento político, econômico e cultural. A ideia é a seguinte: Certos fundamentos indígenas poderiam ser recuperados - em termos de compreensão e conhecimento, mas também em termos de práticas sociais -  para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e menos depredatória.


Por um lado, certas práticas ancestrais que envolvem o comunitarismo,  a solidariedade e  a reciprocidade são consideradas fontes de inspiração para novas atividades de produção, distribuição e consumo que diferem daquelas fundamentadas nas lógicas do individualismo, da competição e do acúmulo.Por outro lado, a natureza torna-se Pachamama, e de depósito de recursos naturais potencialmente rentáveis transforma-se na deidade andina da Mãe Terra.  O que nos remete à cosmovisão indígena holística, que percebe o mundo através da integração fundamental entre todos os seres vivos (humanos e não humanos) e entre estes e o universo. 

 A incorporação da concepção mítica da Pacha Mama pelo texto constitucional é um desafio à concepção ocidental de mundo que, principalmente a partir do desenvolvimento das ciencias modernas, separou o ser humano da natureza (e a mente do corpo, o sujeito do objeto, a razão da emoção).  É esta visão dualista que rege o modelo de desenvolvimento dominante, baseado em uma visão utilitarista da natureza, vista como um objeto externo, inerte e inferior ao ser humano superior e dominador.


Este artigo poderia remeter ao romantismo modernista de Policarpo Quaresma, célebre personagem de Lima Barreto, que “queria-porque-queria” a adoção do tupi como idioma oficial do Brasil. Não fosse o fato do Sumák Kawsay estar, de fato, sendo discutido a sério pelo governo do Equador desde a vitória de Correa, em 2007. E não apenas lá. Um projeto similar de reformulação do estado e da economía nacional, fundamentado no Sumac Qamaña (em Aymara) ou Vivir Bién (em espanhol), passou a ser discutido na Bolívia após a vitória de  Evo Morales na eleição de 2006.



 


A natureza vista como Pacha Mama

“Se reconhece e se garantizará às comunidades, povos e nacionalidades indígenas (...)
os seguintes direitos coletivos: (...) manter, proteger e desenvolver seus conhecimentos coletivos, suas ciências, tecnologias e saberes ancestrais”.
Constituição da República do Equador, 2008

Como resultado de uma luta secular, No Equador e na Bolívia os povos indígenas inauguraram o novo século como protagonistas de um novo processo político. Através das novas constituições,  os dois países legitimam e legalizam aquilo que crescentemente vem sendo discutido por intelectuais e acadêmicos pouco ortodoxos  em todo o mundo: a existência de uma simetria entre o conhecimento científico eurodescendente, legitimado pela academia e pelo estado, e considerado único cuja validez é universal, e o conhecimento dos povos tradicionais, visto como pensamento mítico, folclórico, cuja aplicabilidade restringiria-se a esfera do local.


A questão é que, neste caso,  o sujeito do direito são as pessoas, à quem se garante o  usufruto de um ambiente são, visto como um bem coletivo. No caso da constituição equatoriana, é a própria natureza, a Pacha Mama, o sujeito dos direitos. Oras, voltamos a perguntar, mas como é possível delegar direitos à natureza se, conforme a tradição jurídica, estes só podem ser gozados por pessoas?  Afinal, para ser titular de direitos é necessário exigir tais direitos. O que esperamos futuramente? Árvores defendendo-se em tribunais?

Em primeiro lugar, se olharmos bem para as práticas atuais do direito financeiro, por exemplo, abundam os exemplos onde são os patrimônios - e não as pessoas – aqueles que respondem como sujeitos de direitos. Em segundo lugar, sempre houveram soluções para garantir os direitos daqueles que não os podem exigir. No caso das crianças, por exemplo, onde assina-se à terceiros a responsabilidade por tal exigência.

Por fim, é necessário relembrar que o Equador é um Estado Plurinacional. Composto, portanto, por distintos povos, entre os quais estão os quéchua Kitu Kara, Panzaleo, Chibuleo, Salasaka, Kisapicha,  Waranka, Kañari que, com particularidades,  compartem a visão de que a Mãe-Terra  é muito mais um “alguém” do que um “algo”, composto de consciência e animidade. O que, consequentemente, torna a Pacha Mama passível de direitos.
 
Mas afinal, o que é o Sumák Kawsay?

Foi na tentativa de compreender mais profundamente o projeto do Sumak Kawsay/Buen Vivir  que, em julho deste ano, me desloquei até a região conhecida como “la mitad del mundo”. Ali, a 2.800m de altitude e incrustada entre  os vulcões  Pichincha, Chimborazo e  Tungurahua,   apresenta-se a elegante cidade de Quito, originalmente batizada São Francisco de Quito.
A capital quitenha foi a sede do curso intensivo sobre “O Buen Vivir equatoriano”, oferecido pelo Ministério das Relações Exteriores, Comércio e Integração a 20 jovens equatorianos e 40 extrangeiros originados de 20 países do mundo. Foi um mês de profunda imersão no processo, propiciada por aulas, viagens de campo e pela vivencia “extra-oficial” no cotidiano quitenho recém criado. Tudo compartilhado com colegas - alguns dos quais se tornaram, em curto período, amigos de longa data - provenientes de países tão díspares e distantes como Bulgária, China, Canadá e Malásia.
 

Foi a pregunta “Mas afinal, o que é o Sumák Kawsay” a propulsora de minha viagem às terras altas da América Latina. Seria... Uma versão indigenista do Socialismo do Século XXI chavista? Um apelido andino para Desenvolvimento Sustentável? Capitalismo Verde disfarçado de Socialismo Ecológico? Ou retórica populista salpicada de misticismo pachamâmico?

Avanços e retrocessos foram observados durante minha estadia no Equador. Entre os problemas, podemos citar a aprovação da Lei de Mineraria que, entre outras práticas anti-democráticas, foi feita sem a consulta prévia aos povos indígenas afetados e abriu brecha para explorações com graves consequências  ambientais, ferindo os direitos da Pacha Mama previstos pela constituição.

Entre os avanços, cito três:
O Projeto Yasuni, que visa manter no subsolo amazônico uma imensa  área petrolífera que, se explorada, geraria tanto ganhos financeiros quanto perdas ambientais e a desestruturação de comunidades autóctones;
A aplicação do “Plano Plurinacional para eliminar a discriminação racial e a exclusão étnica” que fomenta uma produção artística e midiática de caráter intercultural;
A incorporação de diplomatas indígenas, afro-equatorianos e representantes de movimentos sociais por parte do Ministério de Relações Exteriores;
A criação de cursos universitários voltados aos saberes ancestrais como parte do “Plano  Plurinacional de Ciência  Tecnologia, Inovação e Conhecimentos Ancestrais”.

 Reflexões mais aprofundadas sobre o processo equatoriano não caberão neste artigo. De fato, me propus uma tese de doutorado para debatê-lo em sua complexidade. Adianto apenas que, com conflitos e contradições, o Equador está inovando nas tentativas de reformular velhas legislações e implementar políticas mais igualitárias. Algo inimaginável a coisa de década e meia atrás, quando a teleologia neoliberal se impunha sobre uma América Latina fragilizada e subordinada.


O fato é que a questão propulsora de minha viagem à Quito, “Mas afinal, o que é o Sumák kawsay?”,  foi comigo, e comigo voltou. Quando aterrissei no aeroporto de Guarulhos, lá estava ela ao meu lado, insistente. Ainda não sou capaz de responder plenamente. Até porquê, no fim das contas, o Sumák Kawsay/ Buen Vivir é um conceito-projeto de difícil definição, pois em pleno processo de construção. O que, de maneira alguma,  o desqualifica enquanto possibilidade alternativa à lógica hegemônica.
Afinal, “alguém” tinha que intensificar a crítica à contínua opressão aos povos e à natureza, começando por uma reformulação constitucional. Corajosamente, Equador e Bolívia assumiram o desafio. Graças à Deus. 

Ou melhor dizendo , graças à Pacha Mama!

                             





















quarta-feira, 8 de junho de 2011

Trabalho de campo X Meios de transportes




                                                                                                          Foto: Bruna Muriel






                                                                                           Foto: André Moura Campos






                                                                                              Foto: André Moura Campos








                                                                                                        Foto: Bruna Muriel







                                                                                                        Foto: Bruna Muriel







                                                                                               Foto: André Moura Campos

No Pará tem uma Ilha...

Imagens da Ilha de Maiandeua, onde ficam as vilas de Fortalezinha e Algodoal, que fizeram parte do trabalho de campo.  Maiandeua, em tupi, significa Mãe da Terra.



                                                              




“A Praia de maiandeua, 
é bonita e tem riqueza,
Tem seu lindo morro
 feito pela natureza,




                                                            



                                                                                             

A Praia de algodoal,
é bonita e tem riqueza,
Tem seu lindo lago
onde mora a princesa"


                                                                                   Fotos: Bruna Muriel

Marajoando...

Abaixo, momentos com Aldecir e Antonio Carlos Madureira, mestre de carimbó, bumba-meu-boi, músicas regionais, xote paraense, lundu... Figuras incríveis que encontramos pelas andanças marajoaras,  artistas anônimos, que batalham pra manter a cultura tradicional em Cachoeira do Arari.























“Eu nasci em Marajó,
Terra do gado e Timbó
Lá se reza Ave-Maria
E se dança o carimbó(…)
Tem Folia e Mastro de Santo,
Procissão à Beira-Mar
Batuques e outros encantos,
Quem quiser vá comprovar.(1)





Fotos: André Moura Campos







[1] Dos Anjos, Sandoval.A História do pará em Versos, Funsação Cultural, Rio Branco, Acre, 1985,p.45.


sexta-feira, 3 de junho de 2011

Rio Arari, Cachoeira do Arari, Ilha do Marajó, PA



                                                                                       Foto: Bruna Muriel
 

Respondendo ao Mundé

O blogspot não está permitindo a publicação de comentários. Enquanto não conseguimos arrumar este probleminha virtual, responderemos ao comentário da galera do Mundé por aqui mesmo:


Em relação as coisas do espaço Coisa de Negro e tudo o que ainda falta postar...Realmente.Falta muita coisa sobre a pesquisa. Apenas lançamos o blog, introduzindo um pouco a  parte mais teórica, as definições do carimbó...Tem  material de todo o trabalho de campo, Cachoeira do Arari, Salvaterra, Icoaraci, Outeiro, Coisa de Negro, Fortalezinha, Algodoal, Marapanim...Muuita história pela frente!
Nas próximas semanas estaremos mais concentrados na parte teórica da pesquisa  e na produção do vídeo, curto, que contém alguns dos momentos vivenciados durante a pesquisa.Uma vez concluídos estes dois materiais, voltaremos ao blog, postando mais imagens, mais textos e mais informações sobre nossas "paradas no Pará das encantarias"...
Um abraço a todos do Mundé!

Minha fotoO Mundé Qultural é um grupo de música experimental, autoral e independente.A partir da batida do curimbó, vão brincando e experimentando, criando uma mescla gostosa entre a música regional amazônica e outras referências musicais, como o rock e o reggae.




Clip de áudio

terça-feira, 24 de maio de 2011

Mas afinal... o que é o carimbó tradicional???

Uma manifestação artística da cultura tradicional paraense.  E por cultura tradicional entendemos àquelas que numa sociedade dividida em classes sociais e hierarquizada etnicamente é produzida, principalmente, pelo setor marginalizado da população.



No geral, são produções coletivas, anônimas, dinâmicas, transmitidas de geração em geração principalmente pela forma oral e não pela organização sistemática de ensino-aprendizagem valorizada pela sociedade moderna[1].

 

 Imagens cedidas pela ASAPAM: Assiciação de Agentes de Patrimônio da Amazônia


Apesar do narrador do vídeo acima afirmar que o carimbó é de origem africana, tudo indica que é o processo de miscigenação na região o  formador original da manifestação.Não podemos entender a manifestação sem pensar nos povos originários ou no colonizador.
A palavra carimbó é fruto da união de duas palavras de origem tupi, curi (= madeira) e imbó (= ôca)[2], e possui um duplo sentido: Em primeiro lugar designa um instrumento musical, denominado curimbó, espécie de atabaque, tambor feito de um tronco internamente escavado, onde numa das extremidades é colocado couro curtido.



                                                                                  Foto: André Moura Campos


O tocador do instrumento senta-se em cima deste e, com as mãos zabumba-o com um ritmo especial. Deste toque origina-se o segundo sentido: a dança do carimbó.   


A Galera do Grupo Sancari, de Belém, " Dançando na chuva"

 Além deste tambor, outros instrumentos como a rabeca, violão, cavaquinho, banjo, flauta, clarineta, saxofone (sopro), pandeiro, maracas, matracas e caxixi, podem fazer parte da apresentação do carimbó tradicional. “Podem fazer parte”, na medida em que as coreografias, o instrumental, a indumentária, assim como os versos variam de acordo com a localização e o desenvolvimento social e econômico das regiões onde é produzido. Na dança, no instrumental, nas letras, na “função” dentro do contexto em que está inserido, em todos estes aspectos, é evidente a  presença de elementos indígenas, europeus e africanos nesta manifestação, altamente miscigenada.

                                                                                                  Foto: Bruna Muriel


[1] Esta definição é a que Brandão denominava, na década de 80, de folclore. Brandão, Carlos Rodrigues. O que é Folclore. 9ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1982.

[2] Cascudo, Luís da C., Dicionário do Folclore Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Global,1980.